quinta-feira, 29 de maio de 2008

Kabbalah


Não é possível explicar a Cabala num site da internet. Assim como não seria possível explicá-la num curso de dois dias, num livro ou em qualquer outro lugar. Porque a Cabala (a pronúncia correta é ‘cabalá’) não é uma tradição meramente intelectual ou filosófica. - Toda a literatura disponível sobre os mistérios da Cabala não têm qualquer valor se este conhecimento não for aplicado na vida prática e diária, e assim, se traduzir em real conhecimento/sabedoria.

Segundo a Cabala, o correto entendimento dos códigos presentes na Torá pode nos oferecer todas as ferramentas de que necessitamos para nos aperfeiçoarmos espiritualmente, através do despertar de nossa consciência mais profunda. Mas aonde poderíamos pretender chegar com isso? Bem, é um fato inegável que quase todos os seres humanos comuns trazem dentro de si o desejo, em maior ou menor intensidade, de mudar a realidade ao seu redor, não sendo uma coincidência que muitos busquem a espiritualidade exatamente quando a vida lhes parece menos generosa. Contudo, a grande questão é que o indivíduo espera que, ao adotar o caminho espiritual que lhe parece correto, esse seu sistema de crenças e valores vá permanecer sempre intocável, enquanto a Luz Espiritual vá promover uma limpeza total em sua vida, corrigindo tudo o que está errado. - Isso não faz o menor sentido. As mudanças e a manutenção da nova vida espiritual dependem de nós mesmos e dos nossos atos e atitudes.

É exatamente aí que entram os sistemas espirituais que nos trazem guias de vida práticos, como é o caso da Cabala. A Cabala nos traz explicações metafóricas e analógicas sobre o funcionamento do Universo e das realidades da vida e, como dito, pretensamente nos oferece os meios para transcender as nossas dificuldades e fraquezas humanas e alcançar a plenitude espiritual.

Particularmente, não sou muito dado à “explicações”, no que concerne às realidades transcendentes; em primeiríssimo lugar porque uma das compreensões mais profundas que eu realmente consegui atingir em toda minha jornada foi a de que a única via real para a compreensão das Realidades espirituais superiores é a aceitação do Mistério. Em outras palavras, se você quer realmente entender, pare de tentar entender e apenas aceite o que É! Entender sem entender, esta é a chave. - Paradoxal, sim, como tudo que concerne à Verdade. Desconfio sempre de qualquer ordem ou “mestre” que me traga explicações detalhadas a respeito daquilo que não pode ser explicado. Há uma excelente razão para que não possamos ver e interagir, ao nosso bel prazer, com certas realidades mais elevadas. Tentar "quebrar as regras" da Vida é o pior tipo de trapaça que poderíamos tentar.

Mas entendo que isso não queira dizer que tenhamos que rejeitar radicalmente toda e qualquer visão espiritualista apenas por ser elaborada, em especial no caso de uma escola tão antiga e que deriva diretamente de uma tradição que é raiz de tantas outras grandes tradições. Na Cabala eu encontrei verdadeiras pérolas de sabedoria e ótimas dicas para o auto-aprimoramento e para uma vida espiritual mais centrada. O seu estudo, porém, deve ser feito diligentemente e usando-se sempre de discernimento e muita atenção às nossas consciências, para que se possa separar o trigo do joio que com o tempo foi ali sendo agregado.

Nesta série de postagens, pretendo examinar os princípios essenciais da Cabala sob o ponto de vista de alguns dos mais respeitados cabalistas em todas as épocas. E como acho sempre sensato começar pelo começo, dou início ao nosso estudo com uma análise sobre o que vem a ser a Cabala e seus significados básicos.

A palavra “Cabala” deriva da raiz hebraica ”KBL” = “LeKabbel”, que significa “Recebido”, “Recebimento” ou “Aquilo que se Recebe”. Em outras palavras, refere-se àquilo que não pode ser alcançado apenas por nossos esforços, mas que só pode ser recebido pela Graça Divina. Cabala é uma espécie de "Ciência da Alma", que não pode ser conhecida através da busca puramente mental/intelectual. É um conhecimento interior que tem sido passado de sábio para aluno há muitos séculos. Uma disciplina que se destina a despertar a consciência sobre a essência da Realidade e das coisas deste mundo e da vida.

Quanto à origem histórica da Cabala, este é um tema extremamente controverso, sobre o qual é muito difícil se chegar a um consenso. Diferentes escolas atribuem o seu surgimento a diferentes épocas, mas muitos pesquisadores apontam o século primeiro dC como a época do seu aparecimento enquanto escola espiritualista/filosófica estruturada.

Infelizmente, como costuma acontecer com todo tipo de tradição hermética espiritual que se torna conhecida do grande público, com o passar do tempo houve uma popularização negativa do termo “Cabala”. Hoje, uma multidão de falsos mestres e falsos buscadores se auto-denominam “cabalistas” ou “mestres de Cabala”. Nos últimos anos, com o crescimento da onda esotérica, começaram a pipocar as mais diversas “derivações” da escola original. Basta uma olhada na sessão de “esoterismo” ou “misticismo” de qualquer livraria ou fazer uma breve busca na rede pra dar de cara com termos do tipo “Esoterismo Cabalístico”, “Tarô da Cabala”, “Numerologia Cabalística”, “Astrologia da Cabala”, “Oráculo Cabalístico”, ”Numerologia Cabalística Motivacional" (essa achei ótima), ”Terapia Cabalística”, etc, etc, etc... Dia desses mesmo li um anúncio num folheto: “Dona Fulana, vidente, professora de Cabala, usa seu dom de mediunidade para trazer de volta a pessoa amada em dez dias...” - Lamentável.

A popularização da Cabala trouxe todo tipo de distorção da idéia original...

A verdadeira Cabala diz que quando entramos neste mundo nossos sentidos podem apenas encontrar sua crosta externa. Tocamos a terra com nossos pés, a água e o vento atingem nossa pele, recuamos perante o calor do fogo. Escutamos os sons e ritmos e dançamos. Percebemos formas e cores. Logo começamos a medir, a pesar e a descrever coisas com precisão. Como cientistas, registramos o comportamento dos compostos químicos, das plantas, animais e seres humanos. Nós os gravamos em vídeo, observamos sob o microscópio, criamos modelos matemáticos, enchemos supercomputadores com dados a seu respeito. De nossas observações, aprendemos a domar nosso ambiente com invenções e engenhocas, e então nos damos tapinhas nas costas e dizemos: "Isso mesmo, conseguimos".

Mas o fato é que nós mesmos (consciência) residimos em uma camada muito mais profunda. Eis por que não podemos deixar de perguntar: "E sobre a coisa em si mesma? E quanto Aquilo que estava lá antes que medíssemos? O que é matéria, energia, tempo, espaço - como vieram a ser?”...

Explicar nosso mundo sem examinar sua profundeza interior é tão superficial quanto explicar o trabalho de um computador descrevendo apenas as imagens vistas no monitor. Se virmos uma bola movendo-se para cima e para baixo na tela, poderíamos dizer que está ricocheteando contra o fundo da tela? Os dispositivos na sua barra de rolagem exercem alguma força física sobre a página dentro da tela? A barra do menu tem realmente os "menus" ocultos atrás dela?

O autor de um software de uso facilitado seguiu regras consistentes para que você possa trabalhar com ele. Se for um jogo de alguma complexidade, ele precisou determinar um grande conjunto de regras. Mas uma descrição destas regras não é uma explicação válida de como isso funciona. Para isso, precisamos saber ler o seu código, e, mais importante - examinar a descrição de seu conceito original. Precisamos saber como ele avança, passo a passo, de um conceito em sua mente através de um código, até os pontinhos fosforescentes minúsculos na tela, que parecem formar imagens reais.

A Cabala diz que há um Código por trás da realidade que podemos ver, o conceito que instila vida às "equações" e as torna reais. Homens e mulheres abdicaram de sua alimentação, seu conforto, viajaram grandes distâncias e sacrificaram suas próprias vidas para chegar a conhecer estas coisas. Não há uma só cultura neste mundo que não tenha seus ensinamentos para descrevê-las. Nos ensinamentos judaicos, elas são descritas na Cabala.

Segundo a tradição, as verdades da Cabala foram conhecidas por Adam, o primeiro homem. Aquilo que Adam (Adão) apreendeu, nenhuma outra mente pode conceber, mas mesmo assim ele foi capaz de transmitir um vislumbre de seu conhecimento a algumas das grandes almas que dele descenderam, como Hanoch e Metushelach. Foram eles os grandes mestres que ensinaram Noah (Noé), que por sua vez ensinou seus próprios alunos, incluindo Avraham (Abraão). Avraham estudou na academia do filho de Noach, Shem (Melquisedeque?), e enviou seu filho Yitschac para lá estudar, depois dele. Yitschac por sua vez mandou seu filho Yaacov estudar com Shem e com o bisneto de Shem, Ever.

Adam, Noah, Avraham - estes foram pais de toda a humanidade. Segundo a Cabala, esta é a razão por que encontramos alusões às verdades que eles ensinaram, seja onde for que tenha chegado a cultura humana. Mesmo assim, a fonte essencial para a Cabala não é Adam ou Noah ou mesmo Avraham.

A Fonte Essencial da Cabala seria o Evento no Monte Sinai, onde a Essência Primordial do Cosmos foi desnudada para que uma nação inteira a contemplasse. Foi uma experiência que deixou uma marca indelével sobre a psique judaica, moldando por completo nossas idéias e nosso comportamento desde então.

No Sinai, a sabedoria interior tornou-se não mais uma questão de intuição ou revelação particular. Era então um fato que havia penetrado em nosso mundo e se tornado parte da história e da experiência dos mortais comuns.

Eis por que a Cabala não pode ser chamada de apenas filosofia. Uma filosofia é o produto de mentes humanas, algo com que qualquer outra mente humana pode jogar, “espremer” ou “esticar”, aceitar ou negar, segundo os ditames do seu próprio intelecto e intuição, que são subjetivos. Mas Cabala significa: "que é recebida". E recebida não de um professor, apenas, mas do Sinai. Assim que o aluno tenha dominado o caminho deste conhecimento recebido, ele ou ela pode encontrar maneiras de expandi-lo ainda mais, como uma árvore se ramifica a partir de seu tronco. Mas será sempre um crescimento orgânico, jamais tocando a vida e a forma essenciais daquele conhecimento. Os ramos, galhos e folhas irão apenas onde deveriam para aquela árvore em particular - um bordo jamais se tornará um carvalho, e jamais um aluno revelará um segredo que não estivesse oculto nas palavras do seu professor.

Quem somos nós? Por que nascer e morrer? Qual o propósito de nossa existência? É possível vivermos de maneira mais plena e com menos insatisfações? Segundo seus seguidores, esta é a sabedoria da Cabala. E, uma vez que esta sabedoria existe, a próxima pergunta primordial seria: como é que todo este aprendizado poderia influenciar de maneira prática o nosso dia a dia e trazer alegria para nossas vidas? Isto é o que passaremos a estudar a partir do próximo post!..


Fontes e bibliografia
“O Poder de Cura da Cabala”, 2004 - Raphael Kellman (Campus).
Rabino Yehuda Berg
Kabbalah Center
Chabad.Org
Portal da Cabala
Beit Chabad



( comentar (livro compartilhado)

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Melquisedeque


"Porque este Melquisedeque, rei de Salem, sacerdote do Deus Altíssimo, que saiu ao encontro de Abraão quando este regressava da vitória contra os reis, e o abençoou, a quem também Abraão separou o dízimo de tudo; sendo primeiramente, por interpretação do seu nome, 'Rei de Justiça', e depois também 'Rei de Salem', que é 'Rei de Paz'; sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre." - Hebreus, 7:1-3


Quem é este, que abençoa até mesmo ao grande Abraão? A quem o próprio Abraão chega a lhe oferecer o dízimo? Que é chamado "Rei de Salem" e "Rei de Paz"? Quem é este, do qual se diz que não teve pai nem mãe e nem começo nem fim? Quem é este, de quem se diz até que é semelhante ao próprio Filho de Deus??

Melquisedeque, ou (em outras transliterações possíveis) Melquisedec, Melchisedec, Melchisedek, Melchisedeque, Melkisedec, etc, etc... É um dos mais misteriosos personagens que aparecem no Antigo Testamento da Bíblia. Menções a ele são encontradas em três passagens do texto bíblico: 1) Em Gênesis 14:18, quando recebe o dízimo de Abraão e o abençoa. 2) No Salmo 110, quando a Voz de Deus profetiza o Messias como "Sacerdote para sempre, segundo a Ordem de Melquisedec". 3) Por diversas vezes na Carta aos Hebreus, quando Paulo escreve um tratado onde afirma que Jesus, em sendo Rei e Sacerdote Filho da tribo de Judá (que tem a primazia do reinado), não segue o sacerdócio de Levi, exclusivo da tribo de Levi, concluindo que Jesus é Sacerdote segundo a Ordem de Melquisedec, anterior ao sacerdócio levítico.

Devido à natureza profundamente misteriosa deste personagem da Bíblia, algumas correntes místicas e até alguns religiosos ortodoxos de tendência mística atribuem a Melquisedeque variadas funções espirituais relacionadas ao destino do nosso planeta.

As alusões a Melquisedeque, "Rei de Paz", "Rei de Salém" e "Sacerdote do Deus Altíssimo", segundo a tradição cristã, seriam figurações ou representações do próprio Cristo, pois é com ele que surge pela primeira vez a celebração com o pão e o vinho, numa espécie de prenúncio do Sacerdócio de Jesus. Alguns arriscam interpretar Melquisedeque como manifestação de "Corpo Espiritual" do Divino, o qual é chamado "o Verbo", o "Espírito Santo" ou "Anjo do Senhor". Se trataria, portanto, de uma manifestação do próprio Deus em Seu corpo imaterial, pois Ele teria muitos aspectos: Ânima, Espírito Eterno, Verbo, Corpo (Jesus)...

O livro de Hebreus declara que Jesus também é Sumo Sacerdote (Hebreus 2:17; 3:1; 4:14). O profeta Zacarias predisse que Jesus seria um sacerdote em seu Trono, isto é, assim como Melquisedeque, Jesus seria tanto Sacerdote quanto Rei ao mesmo tempo (Zacarias 6:12-13). Jesus nasceu judeu, descendente de Davi e, assim, da linhagem da tribo de Judá. Contudo, Deus escolheu os descendentes de Levi para serem sacerdotes. Assim Jesus, vivendo sob a Lei de Moisés, poderia ser rei porque era da tribo real (Judá) e ainda mais da de Davi (2 Samuel 7:12-16; Atos 2:29-31). Mas Jesus não poderia ser um sacerdote segundo a Lei de Moisés porque não era da tribo certa. O escritor de Hebreus afirma que Jesus era sumo sacerdote segundo uma ordem diferente, não segundo a ordem de Arão (ou da tribo de Levi), mas segundo a ordem de Melquisedeque (5:6,10; 6:20). Ele explica:

"Se, portanto, a perfeição houvera sido mediante o sacerdócio levítico (pois nele baseado o povo recebeu a lei), que necessidade haveria ainda de que se levantasse outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, e que não fosse contado segundo a ordem de Arão? ...Porque aquele de quem são ditas estas coisas pertence a outra tribo, da qual ninguém prestou serviço ao altar; pois é evidente que nosso Senhor procedeu de Judá, tribo à qual Moisés nunca atribuiu sacerdotes" (Hebreus 7:11,13-14).

Mas porque Melquisedeque? Quem foi Melquisedeque? O escritor de Hebreus nota que ele foi tanto sacerdote como rei de Salém (outro nome de Jerusalém - Gênesis 14:18-20; Hebreus 7:1). Ele também observa que as escrituras do Velho Testamento dão a Melquisedeque a aparência de ser eterno. Assim, existem algumas semelhanças entre Melquisedeque e Jesus. Melquisedeque parece continuar para sempre como sacerdote, porque as Escrituras nunca registram sua morte. Jesus, sendo divino, vive e serve para sempre como Sacerdote (Hebreus 7:23-25). Melquisedeque era tanto rei quanto sacerdote ao mesmo tempo (o que seria impossível sob a Lei de Moisés). Jesus é tanto rei como sacerdote ao mesmo tempo, em cumprimento à profecia de Zacarias.

Historicamente, o que se sabe é que Melquisedeque foi rei de Salem antigo - nome dado à cidade de Jerusalém ou região onde os descendentes de Sem (um dos filhos de Noé) habitavam logo depois do dilúvio. O fato de nas Escrituras Melquesedeque aparecer abençoando Abraão demonstra que na época era ele o principal representante de Deus na Terra, o portador da devida autoridade para abençoar, inclusive a um grande líder como Abraão ... Como um dos nomes dado ao povo de Israel era "semitas", é provavel que este Melquisedeque fosse o próprio Sem ...

A importância da figura de Melquisedeque ainda é tão grande, que no dia da ordenação dos padres católicos, no ritual sacerdotal consta uma parte na qual o bispo ordenante diz: "Tu és 'Sacerdoce in Aeternum Secundum Ordinem Melchisedec.'” - “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”.

Convém lembrar também que Melquisedeque, sendo rei e sacerdote, reúne em si mesmo as duas formas do poder: o temporal e o espiritual. Segundo o esoterista René Guénon e sua escola, Melquisedeque representaria a Tradição Primordial da qual derivam todas as tradições espirituais manifestadas na História, e apresenta algumas formas equivalentes em diferentes tradições. Segundo essa linha de raciocínio, Melquisedeque, na Índia, corresponderia ao "Chakravartin" (Rei Universal) das tradições indiana e budista; seria também o soberano do reino oculto de "Shamballah" ou Agartha. Na tradição budista Terra Pura, a mais mística, ele corresponderia ao Buda Lokesvara-Raja (Senhor Rei Universal), Mestre Iluminado do Buda Amitabha ou Amida. - O culto à Lokesvara existiu entre os Khmers do Camboja, que construiram gigantescas estátuas de pedra em sua honra na sua antiga capital Angkor. Outra figura relacionada com Melquisedeque é o "Prestes John" das lendas medievais, um misterioso rei-sacerdote cristão que reinaria no Oriente, geralmente identificado com o Imperador da Abissínia ou Etiópia... Melquisedeque é um ser ainda mais enigmático que Apolônio de Tiana (filósofo grego neo-pitagórico sobre quem pretendo falar em momento oportuno).

Na obra gnóstica alexandrina “Pistis Sophia” (tema de uma próxima postagem neste blog), Melquisedeque é citado como “Grande Recebedor da Luz Eterna”. Ele recebe a Luz inteligível, por um Raio emanado diretamente do Princípio para refletir no mundo, seu domínio. Por isso também é chamado "Filho do Sol".

A Ordem de Melquisedeque é também conhecida pelo nome de "Ordem do Sacerdócio Real", ou "Ordem da Justiça Divina", pois Melquisedeque representa a Superior Justiça Divina na Terra, o Reino da Eterna Paz. Ordens esotéricas vêem em Melquisedeque um Ser que sempre esteve presente neste planeta em todos os ciclos de civilização, sendo, portanto a manifestação perene do próprio Poder Superior na Terra.

Alguns místicos orientais, ainda, afirmam que Melquisedeque é quem exerce a função de "Governo Oculto" da Terra no “Santo Shambhala”. Como afirma Michel Coquet:

“Melquisedeque é Sanat-Kumara – o que ocupa o mais elevado lugar sagrado de nosso planeta, onde se encontra a Tradição Primordial, o lugar onde o desígnio de Deus é conhecido...”

Diz René Guénon, baseado em suas pesquisas e no que disse Saint Yves d'Alveydre num livro intitulado "Missão da Índia", publicado pela primeira vez em 1910 na França:

“O nome Melquisedeque, ou mais exatamente ‘Melki-Tsedeq’, não é outra coisa que não o nome sob o qual a própria função de ‘Rei’ se encontra expressamente designada na tradição Judaico Cristã.”

A tradição indiana, citada por René Guénon, em sua obra "O Rei do Mundo", diz:

“Ele é Manu - esse homem vivo, Melki-Tsedeq, é Manu; que continua, com efeito, perpetuamente, isto é, por toda a duração do seu ciclo (Manvantara), ou do mundo que ele rege especialmente. É por isso que ele não tem genealogia, porque a sua origem é não humana, visto que ele próprio é o protótipo do homem. E realmente ele foi feito à semelhança do Filho de Deus, visto que, pela Lei que formula, é para esse mundo a expressão e a própria imagem do Verbo Divino”.

Ainda segundo as tradições da Mongólia, da Índia, do Tibet e de outros povos orientais, Melquisedeque ou Melk-Tjedec (Dharma-Râja) vive em uma cidade conhecida como "Agartha", segundo muitos situada no Himalaia. O reino sagrado de Agartha seria dirigido por Melquisedeque, mas há fontes que o colocam num nível ainda mais elevado. - Assim, uma pessoa só poderia chegar até onde reina Melquisedeque sendo conduzida, já que é impossível ao homem encontrar por si mesmo o seu acesso; não se trataria de um local físico na Terra e sim um plano sutil no nível terrestre.

Em muitas ocasiões o nome de Melquisedeque esteve ligado a um outro grande enigma, o do também legendário "Prestes John" ou "Prestes João", tido como "dirigente da humanidade" (outro tema para um planejado próximo post). Durante a Idade Média muito se falava de um grande reino dirigido por um ser de grande sabedoria chamado Prestes John. O período em que mais se falou desse reino foi à época de São Luís, nas viagens de Carpin e de Rubruquis. Segundo contam inúmeras histórias, teriam havido quatro personagens que usaram esse título: no Tibet, na Mongólia, na Índia e na Etiópia; que seriam quatro representações de um mesmo poder. Diz um mito que, quando de suas conquistas territoriais, Gengis-Khan tentou atacar o Reino de Prestes John, ele foi repelido por um raio que quase aniquilou por completo seu exército.


A visão judaica - por Chai Mendel - judeu praticante e estudioso da Torá

"Melquisedeque" é a tradução aportuguesada de "Malki Tsedek", que significa "Rei Justo". Esse titulo nosso personagem tinha por causa da sua sabedoria que era grande, ao mesmo tempo esse personagem é tratado como se fosse um sacerdote!

Até o dia que o patriarca Avraham (Abraão) foi visitar esse homem e conhecer sua sabedoria, mas por quê? Porque Avraham ouviu dizer que nosso personagem Rei Justo tinha conhecimento de uma tradição que falava de um único D-us. E Avraham queria saber se a Força (EL) que manifestou-se a ele era o mesmo que Malki Tsedek acreditava.

Foi Malki Tsedek quem falou do Mabul (Dilúvio), falou de um homem chamado Noah (Noé) e de toda a tradição que esse homem sabia. E Malki Tsedek falava de um rapaz cujo pai chamava de Shem (na Torá isso significa Boa Reputação). O Personagem de Boa Reputação ficou famoso depois que teve filhos e netos e bisnetos... Mas as soas foram esquecendo da a mensagem do pai de Shem (Noah), e o mundo voltou àidolatria. Então Shem decidiu montar uma escola para preservar todo aquele conhecimento. Essa escola se tornou um pequeno reino de justiça num mundo repleto de violência. Seu lider era chamado de Rei pois quando ele dava sua palavra ele não voltava atrás.... E o monte onde ficava a escola de Shem se chamava Montanha da Paz (Har Shalem) inicialmente. O Nome Shem foi esquecido e o apelido Rei Justo ficou.....

E ai você tem a verdade, Malki Tsedek era Shem, filho de Noah. Por isso Abraham passou a morar perto dele, por isso Isaque vez o mesmo com sua esposa e filhos e por isso Jacó estudou com ele... E por isso todos os descendentes de Jacó, mesmo na escravidão no Egito, mantiveram o conhecimento de Shem. Pois no passado Noah foi relapso em mostrar para a humanidade os erros que levaram ao Mabul, e Shem estava decidido a não cometer mais o mesmo erro. Ele finalmente encontrou pessoas que queriam saber da sua mensagem e preservá-la, por isso ele não iria abrir mão de ensinar aquela gente que descendia de um antigo amigo dele chamado Avraham, e que teve uma experiencia com as Forças que se manifestaram ao seu pai no passado.

Muitas passagens das Escrituras Hebraicas indicam que Shem era Malki Tsedek. Mas seria necessário vc conhecer o mínimo de hebraico para percebê-las; e antes disso seria interessante você conhecer a real mensagem das escrituras hebraicas para não criar dúvidas.

***

A título de curiosidade, procurei expor, nessa postagem, as principais, dentre as mais diversas teorias a respeito da dificílima figura de Melquisedeque. É importante compreender que, apesar e além de todas as teorias e especulações mirabolantes, tudo que temos de concreto a respeito do misterioso personagem são as esparsas e curtas menções bíblicas sobre ele. - Escritos feitos, portanto, há no mínimo 4.000 anos. - Obviamente, qualquer tentativa de estabelecer significações exatas ao seu respeito seriam, no mínimo, muito difíceis e arriscadas. O que estimula ainda mais a imaginação e a curiosidade dos pesquisadores (e 'aventureiros' de plantão) é justamente o fato de o texto bíblico não especificar praticamente nada, não trazer nenhum detalhe da vida e da obra de um personagem assim tão poderoso e importante, a ponto de ser dito que sua vida não teve nem começo e nem teria fim e que seria semelhante ao Filho de Deus. Um Ser tão importante que o próprio Jesus Cristo, Filho do Altíssimo e figura central dos Evangelhos e em todo o contexto bíblico, seria chamado Sumo Sacerdote da sua Ordem...


> Dedicado, com carinho, ao meu amigo "Gugu".


Fontes e bibliografia:
Profº Allen Dvorak
EstudosdaBíblia.Net
Profº José Laércio do Egito;
Profº João Paulo Nunes do Egito;
“Luzes da Grande Fraternidade Branca” Michel Coquet (Madras).


( comentários

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Lições do Tao - 2


Segunda lição - Arrependimento - escritos que Liao Fan Yuan (1550 - 1624) deixou para seu filho

No período da primavera e do outono da história chinesa, durante a dinastia Chou (800-400 aC.), existiam muitos oficiais que tinham a habilidade de prever o futuro de um homem apenas observando suas palavras e seu comportamento. Acontece que o futuro de alguém, seja ele bom ou ruim, inicia-se primeiro em seu coração/mente, e em seguida manifesta-se em seu comportamento. Aquele que parece amável e sincero e seu comportamento é bom, muito tem grandes possibilidades de sucesso. Entretanto, aquele que transparece crueldade e comporta-se sem considerarão pelos outros. normalmente propicia o aparecimento de sofrimentos. Desta forma, não há mistério nesses acontecimentos. O coração e a mente do ser humano são conectados com o Céu. Quando se está para ter dificuldades, pode-se ver que isso se deveu a um comportamento perverso. Se desejarmos ter felicidades e harmonia, a primeira atitude que devemos tomar é a de arrependimento, mesmo antes de realizarmos boas obras.

Há três modos de arrependimento: O primeiro modo é ter consciência ou vergonha. Quando lembramos de nossos ancestrais, os sábios de tempos remotos, notamos que eles foram também pessoas comuns e seus ensinamentos permaneceram válidos por centenas de anos. Somos apenas interessados em prazeres sensuais, fama e riqueza, além de não possuirmos disciplina em nosso comportamento. Cometemos ações desonrosas pelas costas dos outros pensando que ninguém mais pode vê-Ias. Gradualmente nos tornamos animais trajados em roupas humanas. Este é o comportamento mais vergonhoso.

Mencius disse que o senso de consciência ou de vergonha é a chave para se tornar um santo. Aquele que nada sabe sobre isto é então como um animal irracional. Assim, o primeiro passo no arrependimento é começar a ter consciência, pois é isso que distingue os humanos dos animais.

O segundo modo é possuir respeito. Isto diz respeito a Seres Celestiais e de outros planos; não devemos enganá-los. Mesmo se cometermos pequenos erros, eles saberão. E se cometermos grandes erros sofreremos as punições proporcionais. Até quando estamos num quarto escuro nossos pensamentos são conhecidos pelo Céu. Podemos tentar nos esconder, mas nossos pensamentos não são ocultos e através deles poderemos ser encontrados. Enquanto ainda nos restar um último suspiro podemos nos arrepender, por mais sérios que tenham sido nossos erros prévios. Há muitas pessoas que tiveram uma vida inteira de pecados, mas no momento da morte, de repente, tornam-se cientes de seus erros, arrependem-se e deixam este mundo em paz. Há um ditado que diz: “Tão logo você abandone o facão de açougueiro, já poderá tornar-se um Buda”, isto é. independentemente dos erros cometidos, grandes ou pequenos, o principal é ser capaz de mudar e se arrepender.

O terceiro modo é possuir coragem e determinação. Normalmente, as pessoas não conseguem modificar seus destinos porque não possuem coragem e determinação para deter o comportamento errôneo ou para transformar algo errado. Devemos considerar um pequeno erro como uma pequena farpa cravada em nossa pele: devemos removê-la rapidamente. E se for um grande erro, deve ser considerado como uma picada de cobra venenosa, devendo ser o dedo amputado sem a menor hesitação. Aquele que conseguir seguir os três modos, alcançará o arrependimento tão facilmente quanto o gelo derrete na primavera.

E há três níveis para se alcançar o arrependimento: O primeiro é a mudança do próprio comportamento; o segundo é a compreensão através de uma mudança mental; o terceiro é a mudança do coração/espírito.

Cada nível é praticado diferentemente, com diferentes graus de sucesso. Um exemplo da realização do primeiro nível: alguém que matou no dia prévio promete não matar no dia atual; ou, ao se tornar muito nervoso num dia, promete ser calmo no dia seguinte. Esses são exemplos de mudança de comportamento. Entretanto, aqueles que se mantêm unicamente neste nível obrigam-se a seguir um método muito opressivo, sendo muito difícil alcançar verdadeiramente um completo grau de arrependimento.

Um outro caminho mais apropriado de se arrepender é através da compreensão no nível mental. Por exemplo: se quisermos modificar o hábito de matar devemos pensar sobre como todos os seres vivos valorizam suas vidas. Devemos nos perguntar: como poderemos estar em paz ao matarmos esses seres para nos alimentar? E, além disso, pensar na dor dos animais ao serem feridos com água ou óleo fervente penetrando em sua carne e ossos. O segredo da saúde é balancear nossa energia vital interior e não ser dependente de alimentos substanciosos das montanhas ou dos oceanos, pois após a refeição não há diferenças entre os seus nutrientes e os de simples vegetais. Por que deixar seu estômago tornar-se um cemitério de animais e anular suas caridades? Ao considerarmos que todos os seres com sangue e carne têm vida e sentimento, então o fato de nós não permitirmos que eles sejam livres como crianças brincando junto a nós é realmente vergonhoso. Como podemos feri-los e fazer com que nos odeiem? Se pensássemos sobre tudo isso seriamos incapazes de matá-los para nos saciar.

Para modificar o mau temperamento, o mesmo é válido. Se pensássemos como as pessoas são diferentes, como todas possuem pontos fortes e fracos, seríamos mais tolerantes com o próximo. E quando as outras não realizarem as ações corretas ou se elas agirem contra os Princípios Universais, elas é que estarão erradas. Então por que se zangar? Além do mais, se as coisas não andarem como gostaríamos que elas andassem, na grande maioria das vezes é porque ainda não acumulamos méritos suficientes para isso. Assim, se tivermos isto em mente, mesmo ao sermos caluniados, isso será como o fogo queimando no espaço vazio: logo se extinguirá sozinho. Ao escutarmos xingamentos e tentarmos nos defender, isso será tão trabalhoso quanto um bicho-da-seda construindo seu casulo. De qualquer forma, revidar e ter raiva são ações que mais nos ferem do que nos dão paz.

Há outros erros que podemos modificar de acordo com as mesmas medidas citadas. Se entendermos as razões por trás da necessidade de mudança nós não cometeríamos os mesmos erros novamente. Geralmente, apesar de realizarmos centenas de erros, quando os analisamos percebemos que todos eles provêm do coração/mente. Se a mente não gerar pensamentos que são enraizados no egoísmo, então não cometeremos erros que surgem da ganância. E se nosso coração tende à bondade, então naturalmente não teremos pensamentos perversos. Este é o caminho de arrependimento mais básico: o que ocorre no coração. Todas as falhas vêm da mente, dos pensamentos, e assim, se quisermos remover radicalmente a causa destas falhas, temos que agir como se cavássemos em direção à raiz para cortar a árvore venenosa. Para mudarmos nossa mente, devemos estar atentos em cada pensamento. Logo que um mau pensamento é gerado devemos capturá-lo e eliminá-lo. Este é o melhor método. Todavia, se ainda não formos capazes de realizar este nível, então devemos fazê-lo no nível anterior: o da compreensão. E se ainda não pudermos agir neste nível (o da compreensão), então devemos fazê-lo no nível do comportamento (da ação). Porém, o caminho mais eficaz consiste em combinar a vigilância dos pensamentos com a compreensão. Se estiver realmente determinado a melhorar, você pode suplicar aos Seres Iluminados por ajuda nesta mudança, para sinceramente se arrepender dia após dia. Assim, após um certo tempo começaremos a obter resultados, sentiremos paz e a sabedoria surgirá.

Também é possível sentirmos algumas das seguintes mudanças:

# Mesmo se estivermos em um meio conturbado, não nos aborreceremos mais;

# Ao virmos um inimigo, em vez de ficarmos zangados, ficaremos sinceramente felizes;

# Quando sonharmos que estamos deixando para trás coisas hostis, ou que anjos vêm para nos saudar, ou que estamos voando no céu, isto são apenas indicações de que resolvemos alguns dos nossos erros do passado, e que já realizamos algum progresso. Contudo, isso ainda não é o motivo para ficarmos satisfeitos e complacentes com nós mesmos.

Pessoas comuns como nós cometem tantos erros quanto os espinhos existentes em um porco-espinho. Quando a nossa mente ainda é muito rude, então mesmo falhando, não enxergamos claramente essas falhas e ainda permanecemos tranqüilos. As pessoas que acumularam muitos deméritos normalmente apresentam certos sintomas:

# suas mentes são obscurecidas e negligentes;

# preocupam-se quando não há razão alguma para se preocupar;

# se sentem incomodadas quando encontram pessoas sábias e santas;

# ficam infelizes quando escutam a verdade;

# algumas vezes quando recebem algo, ao invés de se sentirem gratas, elas ficam insatisfeitas e nervosas;

# em seus sonhos elas sempre têm muitos pesadelos e reclamam o tempo todo.

Essas são as características das pessoas que acumularam deméritos, e quando elas se manifestam, deveremos pensar com urgência em percorrer os caminhos do arrependimento.


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Lições do Tao

A tradição taoísta está repleta de belas histórias, míticas ou não, com fundo moral profundo, que podem nos servir de inspiração ou ajudar nos momentos difíceis da vida.

Uma das ramificações do Tao que chegou ao Brasil é o “Ten Tao”, um movimento chinês que derivou da tradição taoísta original e que procura, segundo seus representantes, integrar a sabedoria das cinco principais religiões do mundo: Budismo, Taoísmo, Confucionismo, Cristianismo e Islamismo. Em seus estudos, os textos do Tao podem vir seguidos por um versículo da Bíblia e/ou uma regra de Confúcio, por exemplo. Afirmam que possuem mais de 5.000 anos de desenvolvimento, já que as bases filosóficas e espirituais que eles procuram seguir são muito antigas; - mas o início da escola Ten Tao está provavelmente no começo do século XX, quando houve muita influência ocidental na China.

Uma coletânea de ensinamentos Tao que são compartilhados conosco pela escola Ten Tao consiste das “Quatro Lições de Liao Fan”. Trata-se de uma série de quatro manuscritos que um importante administrador chinês escreveu para deixar como lição ao seu filho, e que posteriormente foram divulgadas e veiculadas na China por centenas de anos, devido ao grande valor espiritual, moral e ético do seu conteúdo. Assim que tomei contato com essas interessantíssimas lições, resolvi que as dividiria com os leitores do Arte das artes.

Liao Fan Yuan nasceu durante a dinastia Ming, aproximadamente em 1550, na província de Jiang-Su, no condado chamado Wu-Jiang. Ele viveu até a idade de 74 anos, tendo chegado ao cargo de prefeito, além de ter publicado vários artigos. As lições que seguem, como mencionado, foram originalmente destinadas ao seu filho, mas depois de algum tempo a família achou que a melhor coisa a se fazer seria compartilhar as mensagens com toda a população, já que sem dúvida poderiam vir a ser muito úteis para todos. As quatro lições são: "O Princípio do Destino"; “O Método do Arrependimento”; “Os Modos de Acumular Méritos” e “Os Benefícios da Humildade”. A partir de hoje, passo a publicar aqui o conteúdo desses textos, um por dia. O primeiro desses textos é longo, mas não é cansativo, e eu garanto que a leitura vale a pena.


Primeira lição - "O Princípio do Destino" - por Liao Fan Yuan

Perdi meu pai quando ainda era jovem. Minha mãe pensou que aprender medicina seria uma boa maneira de me sustentar e também de ajudar aos outros. Além disso, tendo habilidade nas mãos não teria nunca mais que me preocupar com a minha sobrevivência. Poderia até me tornar famoso por minhas habilidades médicas, satisfazendo a vontade de meu pai. Desta forma, dei ouvidos à minha mãe e desisti do sonho de me tornar um oficial do governo.

Um dia, durante minhas viagens, conheci um senhor de aparência distinta no Templo “Nuvem Clemente”. Ele tinha uma longa barba e aparentava ser um sábio. Eu lhe fiz uma reverência e ele me disse: “Você deveria estar estudando, pois o seu destino é ser um oficial do governo. No próximo ano você deverá entrar na graduação de Erudição. Por que você não está estudando?”. Eu lhe disse a razão e perguntei seu nome. O ancião respondeu: “Meu nome é K’ung da província de Yunnan. Eu tenho um sagrado texto sobre astrologia. Herdei o conhecimento de Shao-Tzu (estudioso da dinastia Sung que desenvolveu um método de predizer o futuro) e foi me dito que deveria passá-lo para você”. Assim, levei Sr. K’ung para minha casa e contei para minha mãe a respeito dele. Ela disse para tratá-lo muito bem e nós testamos sua capacidade de fazer previsões. O ancião sempre estava correto quer isso fosse um grande evento ou um simples acontecimento do cotidiano. Desta forma, fiquei convencido sobre o que foi dito sobre o meu destino e iniciei os estudos de preparação para o exame do próximo ano. Consultei primo Shen e ele me recomendou o professor Y Hai-ku, que já ensinava um amigo dele. Assim, tomei-me aluno do Sr. Y.

Sr. K’ung fez algumas previsões sobre minhas colocações: “Nas provas municipais você será o décimo quarto; no nível regional você será o septuagésimo primeiro e na província será o nono.” No ano seguinte, nos três lugares, quando os resultados dos exames chegaram foram exatamente como a previsão de Mr. K’ung. Pedi para que ele previsse minha vida inteira. De acordo com ele, eu passaria de teste em teste, ano após ano, até me tornar um funcionário público e depois receberia uma promoção. E por último, seria escolhido para o magistrado na província de Sichuan. Após servir nesta posição por três anos e meio, iria me aposentar e retornar ao lar para viver até os 53 anos. Morreria no dia 14 de agosto no horário ch’ou. Infelizmente, não teria filhos. Recebi a informação cautelosamente e não lhe dei importância.

Dali em diante, os resultados de cada exame concordavam exatamente com as previsões. Sr. K’ung também previu que eu ganharia um salário de noventa e um tan e cinco tou (unidades de peso) de arroz enquanto permanecesse no cargo. Quando eu já havia recebido no total setenta e um tou de arroz e meu superior Sr. Tu indicou-me para uma promoção, eu suspeitei de que a previsão do Sr. K’ung estava incorreta. Entretanto, ela revelou-se verdadeira porque a recomendação tinha sido rejeitada pelo chefe de Sr. Tu, Sr. Yang. Somente após muitos anos de trabalho fui finalmente promovido, e quando calculei a quantidade de arroz que tinha recebido no cargo vi que tinha sido exatamente noventa e um tan e cinco tou.

A partir disso, acreditei que prosperidade, promoções, vida ou morte, tudo é predestinado. Tornei-me completamente indiferente sobre qualquer desejo. Naquele ano, após a minha promoção, fui enviado à capital, Yen, por um ano. Interessei-me pela meditação e perdi o interesse nos estudos, já que tudo é predestinado e assim meus esforços seriam inúteis.

Ao final do ano, entrei para o colégio imperial no sul da capital. Quando retornei, fui visitar Yun Ku-Hui, mestre C'han (Zen) da montanha Ch’i-Hsia. Permanecemos sentados, face a face, por três dias e três noites sem dormir. Mestre Yun me disse: “A razão pela qual pessoas comuns não podem tornar-se sábios e santos é porque elas têm muitos pensamentos inquietantes e muitos desejos. Há sempre uma razão”. Eu respondi: “Sr. K’ung predisse minha vida, minha promoção, minha morte etc... Tudo já está predestinado e não há necessidade de pensar sobre isso, nem de desejar nada”. Yun me disse: “A pessoa medíocre é controlada pelo ch’i do ying e yang, e por isso ela está sob o controle do destino. Entretanto, o destino não pode controlar uma pessoa que realiza boas obras. Por outro lado, se a pessoa realiza grandes maldades o destino também não pode controlá-la. Nos últimos 20 anos você tem sido dirigido pelas previsões do Sr. K’ung, sem ser capaz de modificar nem um centímetro do seu destino, sendo, assim, um medíocre. Mas eu penso que você poderia ter sido um sábio, um iluminado”. Neste momento, Yun começou a rir.

Eu então perguntei a ele: “É verdade que alguém pode mudar seu destino, que pode escapar dele?” Yun disse: “Nós criamos nosso próprio destino. Nossa forma é criada por nossa mente, por nossos pensamentos. Sorte e azar são também determinados pelas nossas próprias ações. Isso é o que está escrito nos antigos livros de sabedoria. Nos sutras do Budismo está escrito que se você rezar por riqueza e fama, por um filho ou filha, ou por longevidade, você os terá. Isso não é mentira porque o discurso falso é um dos grandes pecados do ensinamento budista, então, certamente, estando este ensinamento num sutra ele é verdadeiro”. Respondi: “Mencius (sábio chinês que viveu de 372 a 289 aC) mencionou que só deveríamos pedir por aquilo que está dentro de nossas possibilidades, em outras palavras, virtude, bondade e honra são qualidades que temos que procurar obter. Entretanto, quando nos referimos à prosperidade, fama e status, como podemos procurá-las ou pedi-Ias?” Yun disse: “Mencius estava correto. Você é que não entendeu a verdadeira essência. O sexto patriarca do Zen, Hui-neng, tinha dito que todos os campos do mérito não estão além de 'um pequeno quadrado de uma polegada'. Aquele que procura dentro de si, no seu próprio coração, pode então estar conectado com tudo. O exterior é meramente um reflexo do interior. Aquele que procura dentro de seu próprio coração a prática dos caminhos virtuosos, receberá naturalmente. o respeito dos outros e trará posição de destaque e prosperidade para si Aquele que não sabe como olhar para dentro de si e verificar seus próprios pensamentos, mas somente procurar no exterior, então, mesmo que ele trame e planeje, não atingirá seu objetivo”.

Sr. Yun continuou a perguntar: “O que disse Sr. K’ung sobre seu destino?" - E eu lhe respondi com todos os detalhes. Novamente ele perguntou: “O que você pensa que deveria receber? Uma nomeação imperial? Você acha que você merece ter um filho?” Pensei um longo tempo sobre esta questão e então lhe disse: “Enquanto todos aqueles que receberam uma nomeação imperial pareciam ter sorte, eu não tive sorte, e também não acumulei méritos para construí-ia. Sou muito impaciente, intolerante,_ indisciplinado e falo sem qualquer restrição. Tenho também um ego muito forte e sou arrogante. Isso tudo não é virtuoso, então como posso eu receber uma nomeação imperial? Há um antigo ditado que diz: 'A vida nasce da sujeira da­Terra, e a água limpa muitas vezes não tem peixe'. Eu tenho uma obsessão por limpeza, esta é a primeira razão pela qual não tenho filhos. A segunda razão pela qual não mereço ter um filho é porque o amor é a base para toda vida, e a intransigência é a causa da não-vida, eu sou muito irritado e sem bondade. Estou completamente ciente sobre minha reputação e não posso me permitir estar em segundo plano para ajudar os necessitados, pois, eu não tenho compaixão por eles. Estas são as razões do porque não devo ter um filho.”

Yun então disse: “De acordo com você, então, há muitas coisas na vida que você não merece, não somente fama e um filho. No mundo, o porquê de existirem pessoas que são ricas ou que passam fome até morrerem é que elas criaram seus próprios destinos e o Céu simplesmente recompensa aquilo que elas próprias semearam.. O mesmo ocorre com a criação de uma criança. Alguém que tenha méritos suficientes para dez gerações terá descendentes por dez gerações para protegerem seus méritos; e por último, aqueles que não têm nenhum descendente são pessoas que não construíram méritos suficientes. Se entendermos a razão para criarmos o destino, então mudar as razões pelas quais não se recebe uma nomeação imperial ou por não ter filhos, mudando da avareza para a doação, da intolerância, para a compreensão, da arrogância para humildade, do descaso para diligência, da crueldade para compaixão, da hipocrisia à sinceridade, então acumularemos tantos méritos quanto conseguirmos. Estar bem consigo mesmo, deixando o passado no passado e iniciando um novo dia, pode-se começar uma nova vida. Uma vez entendendo os princípios de como criar nosso próprio destino, então poderemos criar qualquer coisa que desejarmos. Isso é o que significa uma segunda vida. Se o corpo físico é governado pela Lei, então nossa mente pode também se comunicar com o Céu. Como estava escrito no livro T’ai-chia, pode-se escapar da previsão do céu (astrologia), mas não se pode sobreviver às próprias más ações. Sr. K’ung tinha calculado que você não receberia a nomeação imperial e também que não teria nenhum filho. Essa é a previsão da astrologia, mas se você começar a andar em novos caminhos então você estará apto a modificar seu destino. O I-Ching foi escrito para auxiliar as pessoas a evitar o perigo e atrair boa sorte. Se tudo estivesse predestinado, então não haveria necessidade de se evitar o perigo ou de se melhorar a própria sorte. Em todo o primeiro capítulo do livro está escrito que as famílias que realizarem boas obras desfrutarão de boa sorte”.

A partir desse momento, conscientizei-me e compreendi o princípio do destino, e então comecei a me arrepender de todos os meus erros do passado. Escrevi que desejava ser aprovado nos exames imperiais para receber uma nomeação oficial. Assim, prometi fazer 3.000 boas ações para demonstrar minha gratidão. Sr. Yun também me ensinou como lembrar dos meus méritos, assim como dos meus erros, pois às vezes os méritos acabam sendo neutralizados pelos erros. Ele me ensinou a cantar um certo mantra para fortalecer o que eu pedia. Ele ainda acrescentou que quando rezamos por algo que se refere à mudança de nosso destino é importante fazê-lo num momento de tranqüilidade da mente, então nosso desejo é mais facilmente realizado.

A teoria de Mencius sobre a determinação do destino de alguém estabeleceu que uma longa vida ou uma vida breve não são diferentes. Superficialmente as duas parecem diferentes, mas sem utilizar a mente discriminatória, elas são iguais. Vendo mais adiante, aquele que vive indiferente aos bons ou aos maus resultados têm então, o domínio do seu destino de riqueza ou pobreza. Ou aquele que vive com adequada indiferença a respeito do status que se obtêm na vida, obtem o domínio do destino, mesmo possuindo alto ou baixo status. Isto é, quem vive indiferentemente quanto aos altos ou baixos da vida, com serenidade, adquire o controle de suas emoções e ações, modificando assim, indiretamente, o seu destino. Para modificar o destino para melhor devemos prímeiro corrigir todos os nossos maus hábitos e pensamentos. Quando um pensamento nocivo é formado, devemos extingui-lo pela raiz. Ser capaz de controlar os próprios pensamentos é a completa realização.

Meu nome do meio significava “Mar de Aprendizagem”, mas daquele dia em diante, passei a me chamar "Liao-Fan", isto é, “Transcendendo o Mundano”. Isso significou minha constatação de que nós criamos nosso próprio destino. Eu não quis mais cair na armadilha dos pensamentos mundanos. Modifiquei completamente meu modo de viver, passei a viver cautelosamente e com seriedade. No passado costumava ser indisciplinado e minha mente estava fora de controle, mas comecei a prestar atenção no que pensava e no que dizia, mesmo quando estava sozinho num quarto escuro. Mesmo quando os outros me maldiziam, eu os tolerava e não ficava zangado. No ano seguinte a esses acontecimentos, entrei para a etapa preliminar da avaliação imperial. Sr. K’ung havia predito que eu ficaria em terceiro lugar, mas fiquei em primeiro. As previsões de Sr. K’ung começaram a perder sua eficácia, e assim, fui aprovado naquele outono nas provas, o que não estava nas previsões iniciais...

Mas quando olhei para mim mesmo, senti que não estava ainda totalmente confortável no meu modo de viver. Por exemplo: quando praticava caridades, não estava completamente certo disso; quando ajudava as pessoas ainda tinha algumas dúvidas; quando eu realizava boas obras não me comportava apropriadamente; quando me via sóbrio me permitia ficar bêbado. Os méritos e os deméritos às vezes se cancelavam. Do dia em que fiz a promessa passaram-se 10 anos até que consegui completar os 3000 méritos.

Após isso, retornei para minha antiga casa e fui ao templo prestar minhas reverências e oferecer meus méritos. Fiz então meu segundo desejo e este era o de ter um herdeiro. Fiz outra promessa de realizar mais 3000 méritos. E no ano do Hsin-Su tive um filho, T’ien-Ch’i. Quando realizava uma caridade eu a escrevia num livro. Minha esposa, que não sabia ler, desenhava um círculo com a pena de um ganso no calendário quando ela realizava um mérito. Por exemplo, demos alimentos aos necessitados e ajudamos pessoas que precisavam. Às vezes ela acumulava mais de dez círculos num mesmo dia. Assim, passados dois anos acumulamos os 3000 méritos e novamente retornamos ao templo para prestar nossas reverências e quitar nosso voto. Fiz um terceiro pedido: passar no próximo estágio da avaliação imperial, a etapa chi-shih. Prometi desta vez 10.000 méritos! Após três anos, em 1586, passei por esta etapa e me tornei o prefeito de Pao-Ti.

Mantive sempre o livro de registros de méritos e deméritos próximo à minha mesa de escritório. Disse para meus subordinados também se manterem no caminho das caridades e no final do dia fazíamos um relatório para os céus. Minha esposa notou que eu então não estava acumulando muitas caridades e estava preocupada. Ela disse que quando estávamos em nossa casa havia muito mais oportunidades para realizá-las, mas quando nos mudamos para a residência oficial, elas rarearam. Como iríamos cumprir nossa promessa?

Uma noite, em meus sonhos, vi um santo que veio até mim e disse: “Se você reduzir o imposto nos campos de arroz, essa única obra valerá por 10000 méritos”. Nessa época, o imposto sobre os campos de arroz era muito alto, por cada acre o proprietário tinha que pagar uma quantia exorbitante, e decidi reduzi-la para aproximadamente a metade, mas ainda tinha dúvidas quanto a essa medida. Como uma única ação poderia valer por 10.000? Justamente nessa época, havia um monge viajando na região, vindo das montanhas, e eu lhe descrevi meu sonho. Ele me disse que se alguém realiza sinceramente uma boa ação, então ela poderia valer por 10000 e que quando reduzi as taxas para toda a região, ao menos 10000 pessoas se beneficiariam com isso. Certamente aquela caridade valia por 10.000. Quando escutei essas palavras, resolvi expressar minha gratidão. Doei meu salário do mês para o monge poder retornar para as montanhas e também como auxílio na alimentação de outros 10.000 monges.

Sr. K’ung havia calculado que eu morreria com 53 anos. Não pedi para que houvesse mudança desse fato, mas meus 53 anos vieram e eu sobrevivi. Agora tenho 69. Passei a acreditar que quando alguém diz que a sorte é determinada pelo céu, esse alguém deve ser um mero mortal medíocre. Se alguém diz que a sorte é o resultado do que criamos ou é o reflexo do que temos no coração, então deve ser considerado um sábio.

Em resumo, apesar de não sabermos qual é o nosso destino, nos tempos de prosperidade devemos ser humildes e econômicos e quando os acontecimentos ocorrem como planejamos, devemos, ainda assim, manter-nos cautelosos e serenos. Quando estamos saudáveis e repletos de riquezas devemos nos comportar com simplicidade, sem esbanjar. Mesmo se tivermos o amor, o respeito e o apoio alheios não devemos nos envaidecer. Ao nascermos numa família afortunada não devemos nos louvar ou nos exibir para os outros. Quando temos muito conhecimento devemos tratar os outros com respeito e pedir auxílio quando necessitarmos. Devemos sempre tentar ajudar o próximo e sermos muito rigorosos com nós mesmos. Devemos, sem hesitação, nos policiar todos os dias e realizar mudanças em tudo que ainda não está perfeito.


Fonte:
"Santuário Ten Tien do Brasil"



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terça-feira, 6 de maio de 2008

O Tao - parte 2

A filosofia taoísta é riquíssima em conhecimentos ancestrais e na mais pura sabedoria oriental. Dicas preciosas para o buscador de qualquer tradição podem ser encontradas ali. Na minha opinião, aos ocidentais é importante que saibam separar joio e trigo, o que é tradição folclórica, que não deve necessariamente ser interpretada ao pé da letra, como o culto aos vários deuses e as artes divinatórias por exemplo, e o que é funcional para nossas vidas, o conhecimento espiritual realmente válido e útil.

O conjunto das artes humanas abrangidas pelo taoísmo engloba a medicina chinesa e a acupuntura, o Feng Shui, as artes marciais e um elaborado conjunto de princípios espirituais, entre outros.

O taoísmo não é, necessariamente, uma religião. Não é Zen, embora tenha havido um contato entre essas duas vertentes filosóficas. Não é limitado aos chineses. E não é um modismo da "Nova Era".

Existem no taoísmo determinados princípios que são constantes em todas as artes taoístas. Compreender esses princípios é fundamental no estudo da sua filosofia. Assim como ocorre com o judaísmo, o hinduísmo e o budismo, tradições extremamente complexas e muito antigas, seria necessário um blog inteiro só para se fazer uma abordagem realmente aprofundada sobre o taoísmo. Como isso não é viável, deixarei aqui um breve resumo tópico desses princípios mais elementares. Seriam eles: o Tao, o Te, o Wu-Wei, o Chi, o Yin/Yang, o Wu Hsing e o Pa Kua.


O Tao (Dao)

Como dito no post anterior, o ideograma correspondente ao Tao pode ser entendido, a grosso modo, como "Caminho", tanto no sentido literal de estrada ou rua como no sentido filosófico de caminhada ou senda espiritual.

O Tao, propriamente dito, enquanto expressão da Verdade, não pode ser compreendido pela razão ou pela racionalidade. Esse conceito transcende nosso intelecto, tendo sido por isso chamado simplesmente de "Tao" pelo filósofo Lao-Tsé. Esse personagem muito importante no Taoísmo compreendeu o que era o Tao e se esforçou por mostrá-lo da melhor maneira possível aos seus contemporâneos. Para isso tinha que cunhar um termo que pudesse usar para ilustrar o inexplicável, e esse termo foi "Tao".

Como ele não pode ser explicado, "Tao" é um designação genérica para um grande conjunto de conhecimento transcendental. Como Lao-Tsé explica no primeiro capítulo da sua obra “Tao-Te-Ching”:

“O Tao que pode ser expresso não é o Tao verdadeiro”

O retorno ao Tao e a sua compreensão intuitiva e definitiva, é o objetivo número um do taoísmo e todas as suas artes e escritos convergem para esse fim. Seria o equivalente taoísta à Iluminação budista.


Te (Te)

Literalmente, podemos traduzir Te como "virtude". Muitos autores buscam nessa expressão um conteúdo moral, com regras de conduta. Mas o significado real não é bem esse. O Te expressa a virtude natural que o ser humano atinge ao se tornar uno com o Caminho. É uma conduta que flui naturalmente, sem preceitos reguladores criados pelo homem.

Quando estamos perfeitamente mergulhados no Caminho, na sabedoria transcendente, ser virtuoso é viver de maneira simples, seguindo o curso natural da vida. O verdadeiro Te, a verdadeira Virtude, deve nascer no coração, de forma espontânea, fruto da compreensão do Universo proporcionado pela Comunhão com o Caminho.


Wu-Wei (Wuwei)

Esse é outro princípio difícil de definir. Um conceito muito complicado e talvez o que provoque maior polêmica entre os seguidores das outras tradições. À rigor, Wu-Wei significa "não-ação". Isso é tomado por muitos estudiosos ocidentais como ociosidade, uma espécie de apologia à preguiça e à inação. Inclusive figuram em vários livros de filosofia a premissa de que os taoístas eram indolentes que esperavam as coisas acontecerem.

A idéia do Wu-Wei é uma ação dentro da não-ação, ou seja, é preciso ficar atento para o curso dos acontecimentos de modo a usufruir da sua correnteza com o mínimo esforço. Seríamos todos como tripulantes em barcos frágeis, descendo uma corredeira que é a própria vida. Temos que ficar atentos aos obstáculos e lugares bons para ancoragem. Mas não podemos remar contra a correnteza, sob pena de destruirmos nossos barcos. Esse é o princípio do Wu-Wei: obter o máximo de benefícios da vida com o menor dos esforços.

Esse princípio criou uma situação interessante nas artes taoístas, onde todas buscam realizar o menor esforço possível. As artes plásticas ilustram bem essa idéia com as figuras dos Imortais, sábios que lograram atingir o Tao e manifestar o Te. Todas essas ilustrações trazem pessoas sorridentes e alegres, gordas e felizes, cantando, dançando ou se entretendo. Isso está em forte contraste com as efígies de praticamente todas as outras filosofias, quase sempre compenetradas e sérias.

Viver segundo o Wu-Wei significa também viver o agora e prestar atenção nas oportunidades que surgem a todo instante. Esse princípio é fortemente ilustrado pelas artes marciais de cunho taoísta, especializados em torções e chaves eficientes e no uso correto do Chi, energia universal que circula em nossos corpos. O Tai Chi Chuan e o Aikidô são exemplos claros da aplicação desses princípios, tendo o máximo de efetividade com o mínimo esforço. Uma parte desse princípio provavelmente foi incorporado pelo Zen Budismo através da preocupação com a transitoriedade das coisas e do princípio de "viver intensamente o presente". Cada momento é único e deve ser saboreado e vivenciado como se não existisse nada mais. Isso faz parte do agir sem agir do Wu-Wei.


Chi (Qi)

Conhecido desde o princípio dos tempos, o Chi desde os primórdios fascinou o homem. Todos os povos e culturas da Terra sempre souberam haver uma espécie de "Força" invisível atuando na Natureza. Acabaram por prestar reverência ao raio, ao fogo, à água, aos animais e a tudo o que não podiam dominar ou compreender exatamente. Essa crença, longe de ser a idolatria como muitos imaginam, estava fundamentada numa profunda reverência ao grande Mistério por trás da existência. Mistério que se manifesta na própria Energia Fundamental que nos mantém vivos.

Conceito dificílimo de explicar, o Chi seria, falando de maneira muito simplificada, a energia primordial que mantêm os átomos unidos, as partículas invisíveis fundamentais que constituem os nossos corpos e todo o mundo físico em constante harmonia e atividade. Sem ele, não haveria vida.

Bruce Lee, ainda muito jovem, praticando o Chi Kung (aprendeu bem...)

A tradução literal mais aceita para Chi é "sopro". A imagem apresentada pelo seu ideograma é a de grãos de arroz cozinhando ou fermentando em um pote ou chaleira que emite uma espécie de vapor que entra em alguma coisa. Esse "vapor" penetra todas as coisas, portanto, tudo é formado por Chi e se manifesta através dele. Com base nesse pensamento, os taoístas chineses elaboraram técnicas avançadas como o Chi Kung ou Ki Gong, técnica que pode aumentar a captação do Chi e manipulá-lo de diversas maneiras, podendo ser utilizado nas mais variadas artes como a Acupuntura, Feng Shui e as Artes Marciais. Você já assistiu a uma exibição de kung fu onde um praticante entorta grossas lanças de ferro no pescoço um em alguma outra parte sensível do corpo sem sofrer nenhum arranhão? Esta é uma demonstração de Chi Kung, e segundo os taoístas, uma demonstração da capacidade do praticante de controlar seu próprio Chi.


Yin/Yang (Yin Yang)

Essa dualidade de forças é bastante conhecida, ou parece ser. Existem incontáveis trabalhos na internete ou nas livrarias rotulando quase todas as coisas do universo em Yin ou Yang. Mas nem tudo funciona assim. Os conceitos de Yin e Yang são relativos, isto é, dependem de seu referencial. Algo pode ser Yin em relação a X e Yang em relação a Y. Como a água, por exemplo: ela é Yin ou Yang? Em relação ao gelo é Yang mas em relação ao vapor, é Yin.

O que temos que ter sempre em mente é que elas são complementares e não-excludentes, ou seja, onde existe uma necessariamente existe a outra. Yang simboliza forças expansivas, luminosas, quentes, e o Yin simboliza as forças contrativas, obscuras, frias.


Wu Hsing (Wu Xing)

Wu Hsing quer dizer "Os Cinco Movimentos", e constituem uma das bases da filosofia taoísta. Este conceito é mais conhecido popularmente como "Cinco Elementos", embora essa denominação esteja incorreta. Os primeiros ocidentais que tomaram conhecimento deste conceito o compararam com os quatro elementos primordiais dos alquimistas europeus, que julgavam todas as coisas formadas por uma combinação de terra, ar, água e madeira. Na verdade, o Wu Hsing trata de interações energéticas e suas mutações, simbolizando as mudanças sofridas pelo Chi em diversos momentos.

Para o Tao, quase tudo que existe no Universo pode ser classificado dentro de um tipo de movimento, pois o Chi não permanece nunca parado, por isso chamam-se movimentos e não elementos. Os Cinco Movimentos são madeira, metal, fogo, água e terra. Cada um deles expõe uma maneira do Chi se manifestar. Cada elemento pode interagir com os demais segundo duas maneiras principais: o Ciclo de Criação e o Ciclo de Controle. O Ciclo de Criação consiste, por exemplo, na madeira gerando fogo, quando é queimado, ou na água gerando madeira, porque sem ela as raízes não poderia sobreviver a a árvore (madeira) morreria. Um exemplo de manifestação do Ciclo de Controle seria a água controlando o fogo, já que ela o apaga, ou o metal controlando a madeira, porque pode cortá-la.


Pa Kua (Ba Guá)


“Pa” em chinês significa "oito" e “Kua” é um tipo de desenho, que no caso do I Ching, que é parte do conjunto de artes do taoísmo, pode ser "Trigrama" ou "Hexagrama". Esse desenho, que existe em duas versões principais (Céu Anterior e Céu Posterior) representa "circuitos" energéticos definidos segundo a interação das energias Yin e Yang e admite diversas interpretações. Um estudo mais aprofundado exigiria uma abordagem do I Ching, a ser realizada pelo Arte das artes num futuro próximo.

Hoje é moda falar em "Feng Shui", e muitas vezes se vê em revistas ou livros a utilização de um octógono nos "cantinhos" da casa a serem melhorados, chamando-o de Ba-Guá. A verdade é que o Ba-Guá é o conjunto dos oito trigramas dispostos em uma forma determinada. Se não tiver os trigramas, não é Ba-Guá. - Trata-se simplesmente de um desenho geométrico de oito lados, um "octógono".

***

"A bondade sublime é como a água. A água, na sua bondade, beneficia os dez mil seres sem preferência. Permanece nos lugares desprezados pelos outros, por isso assemelha-se ao Caminho. Vivam com bondade na terra; pensem com bondade, como um lago. Convivam com bondade, como irmãos. Falem com a bondade de quem tem palavra. Governem com a bondade de quem tem ordem. Realizem com a bondade de quem é capaz. Ajam com bondade todo o tempo. Não disputem, assim não haverá rivalidade" - Tao Te Ching, capítulo 8


Fontes e referência:
Profº Gilberto Antônio Silva
Taoísmo.Org
Longevidade.Net
Grupo Artes Taoístas
Sociedade Taoísta do Brasil



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O Tao

O Tao ou Dao é, ao mesmo tempo, o caminho, o caminhante e o ato de caminhar. Filosoficamente, pode ser interpretado como o Absoluto. É uma tradição espiritual milenar de origem chinesa, desenvolvida e praticada por inúmeros mestres ao longo dos tempos. Possui duas vertentes principais de pensamento religioso. - Uma destas concentra-se na meditação metódica sem rituais, subsistindo de maneira geral como uma ordem filosófica. A outra vertente, mais ortodoxa, atribui importância fundamental aos rituais, à renovação cósmica e ao controle espiritual.

Da observação das leis da natureza, os mestres do taoísmo concluíram que tudo possuía uma identidade proveniente de uma única fonte, que chamaram “Tao”. O significado literal da palavra é “Caminho, Trilha, Estrada”. O Tao, enquanto caminho de vida a ser seguido, é o principal conceito do Taoísmo. A libertação plena da alma estaria no retorno do homem ao Tao. E segundo as escolas taoístas, os principais meios para retornarmos ao Tao seriam a meditação, a vida em harmonia e o desapego do mundo material. Os taoístas atribuem extrema importância à capacidade de entender e “ver” a essência de todas as coisas. Um dos símbolos principais do taoísmo é bastante famoso entre os ocidentais: a representação circular do Yin e do Yang, o equilíbrio e a complementaridade entre as forças naturais opostas, em perfeita harmonia.

As raízes do taoísmo surgem com os antigos panteístas chineses e as crenças xamânicas. A atual forma foi criada por Lao-Tsé durante o Período dos Estados Guerreiros e se tornou uma religião organizada no século 5 dC. Seu texto fundamental é o Dao De Jing, ou Tao Te Ching, que significa "O Livro do Caminho e da Virtude" (segundo tradução do professor Wu Jyn Cherng, da Sociedade Taoísta do Brasil). - Originalmente escrito por Lao-Tsé, reflete o caminho para a humanidade eliminar o conflito e o sofrimento. Na verdade, o conceito de "caminho correto" do Tao é um elemento fundamental recorrente em todas as tradições filosóficas chinesas, entre elas o Confucionismo.

Os taoístas acreditam que o homem deve viver em harmonia com a natureza por meio do Tao; a idéia básica é a de uma grande harmonia cósmica. As crenças taoístas ressaltam a auto-desenvolvimento, a liberdade e a busca da imortalidade. O Taoísmo é fortemente influenciado pela religião popular tradicional chinesa, e os deuses taoístas são na verdade representações de grandes personagens históricos que demonstraram poderes excepcionais em vida.

Entre as divindades taoístas, destacam-se:

O Imperador Jade - Considerado o soberano supremo de todas as divindades chinesas, teria criado a humanidade a partir do barro. Os taoístas rezam para ele para obter boa sorte e longevidade em seu aniversário, e também na noite do Ano Novo Chinês.

Cai Shen - O deus Chinês da prosperidade e da riqueza é amplamente cultuado pelos chineses – por razões óbvias. Acredita-se que Cai Shen teria sido um general da Dinastia Qin, e é representado por um tigre negro.

Estátua do Imperador Jade (Templo de Shan Tun)

A cronologia da origem das bases filosóficas taoístas ainda permanece obscura, podendo ser bastante anterior a Lao Tzu, considerado o fundador da religião. Ele, na verdade, foi responsável por um grande impulso à religião sobre a qual já existiam alguns conceitos primitivos.

O taoísmo propõe a restauração do estado pleno de vida e consciência, o caminho que leva à perfeição, ou seja, o Tao. Para isso utilizam-se vários meios, como as práticas que promovem a boa saúde física e mental, o estudo dos clássicos escritos pelos grandes instrutores do passado, os métodos místicos para a restauração da ordem interna e, fundamentalmente, a meditação, como caminho de transformação, auto-aprimoramento e elevação espiritual.

Os meios para o retorno ao Tao (Dao) englobam as Artes (Shù), a Lei (Fa) e o Caminho (o Tao em si). As artes procuram restaurar o equilíbrio energético do indivíduo através de conhecimentos - de saúde, de oráculos, do destino, da leitura da natureza e do homem. O Fa é o conjunto de métodos místicos que restauram a ordem, a organização e a “lei interior e exterior” através da força espiritual. A meditação é o caminho espiritual por excelência.

Por ter uma origem muito antiga, o taoísmo apresenta muitas ramificações. Seus conhecimentos, manifestados através de várias escolas taoístas, poderiam, de modo geral, ser classificados segundo cinco vertentes:

1) Dān Ding - significa literalmente Caldeirão e Elixir; é a que nós chamamos no Ocidente de Escola da Alquimia;

2) Fú Lù - “Fú” significa, literalmente, Correspondência, e “Lù” quer dizer Ordenar. Ou seja, é a Escola da Correspondência e da Ordenação, referindo-se à Escola Ritualística e da Lei Cósmica;

3) Jīng Dian - literalmente significa “Textos Clássicos”. São escolas que enfatizam mais os estudos clássicos; podem ser chamadas de Escolas Filosóficas ou Escolas de Estudos filosóficos do Taoísmo;

4) Jī Shàn - significa Acumulação da Bondade: aplica os conhecimentos taoístas em benefício da sociedade, do indivíduo, da vida; é a escola voltada para a doação e para as práticas taoístas na vida quotidiana;

5) Zhān Yuàn - significa Oráculos e Experiências, ou seja, Yi Jing (I Ching), Astrologia, Artes Marciais, Acupuntura, incluindo conhecimentos de cura através das ervas da medicina taoísta e diversos trabalhos energéticos.

O incenso é um elemento constante nos rituais taoístas. Quanto à organização clerical, o Taoísmo é constituído de estrutura monástica e sacerdotal. Os escritos de Chuang Tzu (369-286 a C), além do Tao Te Ching, também são considerados sagrados.

"Os medíocres vivem lúcidos;
Só eu aparento estar confuso.
Os medíocres vivem lúcidos;
Só eu introspectivo;
Indefinido como uma noite silenciosa.

As pessoas todas têm seus egos;
Só eu o ignoro, considerando-o precário."


Tao Te Ching, capítulo 20


Continua


Fontes e referência:
Professor Wu Jyn Cherng
Sociedade Taoísta do Brasil
Tao Living
Discovery Channel



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segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sistema de castas da Índia

O nefasto sistemas de castas da Índia teve sua origem em torno de 850 aC, embora as opiniões dos especialistas a respeito da data exata do seu estabelecimento estejam divididas. Sabe-se que surgiu com os árias, e a partir daí começou a se desenvolver e se enraizar na cultura do país...

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